Por que legalizar o aborto?

No lugar de defender a saúde das mulheres, grupos religiosos impõem ao pais, sob a aquiescência do governo, aberrações como o Estatuto do Nascituro

por Ana Maria Costa 

O dia 28 de setembro é marcado pelos movimentos sociais latino-americanos como data de luta pela descriminalização do aborto. Por que legalizar o aborto? Para consolidar o Estado laico, aperfeiçoar a democracia e promover os direitos sexuais e reprodutivos e a saúde das mulheres.
Ao contrario do Uruguai, que optou pela vida e os direitos das mulheres legalizando o aborto, o Brasil estancou o debate sobre o tema no Parlamento e no governo, barrando direitos essenciais para a democracia.

Na vida real, as mulheres brasileiras que engravidam contra a vontade, planos ou desejos, prosseguem interrompendo gestações de forma clandestina e insegura, morrendo ou adquirindo sequelas que na maioria das vezes impedem os futuros planos reprodutivos.
Sempre é pertinente lembrar que todas as mulheres, de todas as idades, classes sociais, etnias e religiões abortam, mas a ocorrência de problemas de saúde relacionados ao aborto clandestino é bem maior para as mulheres pobres e negras que, nestas ocasiões, são as que de fato se submetem a atendimentos e condições mais precárias e arriscadas.
A sociedade brasileira deve encarar a legalização do aborto por diversas razões. Trata-se de um reconhecido problema de saúde pública cujas evidências, ainda que subdimensionadas, têm sido amplamente demonstradas e discutidas.
A ilegalidade do aborto compromete os direitos inerentes à democracia e, por isso, é premente o seu aperfeiçoamento articulado à laicidade do Estado, garantindo às mulheres mais direitos e mais cidadania.
Por último, é inconcebível que o país que hoje avança rumo ao grupo de nações mais poderosas do planeta mantenha-se alienado no reconhecimento do direito legal à interrupção da gravidez, acuado por grupos religiosos, recusando a analisar e aprovar mudanças na legislação sobre o aborto que atende aos interesses coletivos.
O conceito de laicidade deve ser entendido como um dispositivo democrático que garante a liberdade religiosa na sua ampla diversidade e, ao mesmo tempo, garante a independência das decisões do Estado relacionadas aos interesses públicos. Em outra perspectiva, no Brasil a laicidade é afirmativa no marco constitucional ao expressar e conferir garantias à liberdade religiosa aos cidadãos, o que requer a neutralidade do Estado.
Entretanto, a prática da laicidade não tem sido observada e os poderes públicos estão contaminados com referências, signos e valores religiosos, mais especificamente os cristãos católicos. A maioria das repartições públicas, hospitais e outros serviços têm crucifixo na parede ou outras imagens católicas. Há alguns anos, o fato do plenário do Supremo Tribunal Federal dispor de um grande crucifixo gerou polêmica por oportunos questionamentos de feministas e de defensores da laicidade.
A mensagem do símbolo religioso presente nos espaços públicos impõe o falso pressuposto de que a religião é anterior à própria democracia quando, de fato, a religião deveria estar submetida ao pacto democrático.
O direito constitucional à liberdade religiosa garante que os crentes tenham qualquer religião e que os não-crentes não tenham religião. Entretanto, o Estado tem o dever de contestar, pelo bem comum e pela preservação dos interesses coletivos, a imposição de dogmas religiosos.
Às religiões e às igrejas é dado criar suas próprias verdades que nem sempre estão baseadas em constatações objetivas e cientificas e, nem sempre são capazes de permitir a liberdade dos que não agem ou pensam de forma semelhante aos seus preceitos. Já ao Estado não é permitido atuar ou decidir sem fundamentação cientifica ou baseado em argumentos que  não possam ser comprovados. Nem decidir com base em preceitos e valores religiosos de grupos sociais, contrariando os interesses do conjunto da população.
A inversão do lugar da religião emprenha os poderes e as instituições, cujas consequências se manifestam na vida social. Um bom exemplo desta inversão é a objeção de consciência dos profissionais de saúde no atendimento ao aborto, mesmo nos casos legalizados ou permitidos pela lei.
Tem sido assim nos serviços de saúde que, mesmo incorporando objetivos quanto ao cuidado seguro das mulheres em situação de abortamento, os profissionais alegam “objeção de consciência” e negam o atendimento, subtraindo o direito à saúde e à preservação da vida das mulheres. Trata-se, em última instancia, de uma imposição de poder do profissional e de seus valores morais às mulheres. E o fazem amparado, geralmente, pelos respectivos códigos de ética profissional.
Como advogar pela laicidade do Estado quando o país incentiva o ensino da religião católica na escola pública, em obediência a acordos entre governos nacionais e o Vaticano? Na saúde, é expressiva a presença das organizações sociais religiosas na assistência hospitalar, que contam com apoio financeiro e subsídios governamentais. Será que estas instituições atendem de forma correta, pronta e segura a mulher que busca atendimento nas situações de abortamento, mesmo nos casos permitidos pela Lei?
Nos últimos anos a situação do aborto no Brasil vem sendo esclarecida pelos diversos estudos realizados. Já não sobram duvidas de que o aborto é importante causa da mortalidade materna. Mesmo que a ampla comercialização seja lamentavelmente proibida pela Anvisa, o uso do Cytotec (misoprostol) adquirido pelas mulheres clandestinamente reduziu de modo significativo as complicações por aborto inseguro. Mas nem sempre o processo de abortamento por uso do Cytotec prescinde da assistência médica e, nesses casos, quando as mulheres buscam os serviços de saúde, acabam vitimadas por censuras, ameaças ou maus tratos dos próprios profissionais de saúde.
Os estudos de itinerários de mulheres que abortam mostram que quanto mais pobres, mais tempo e mais difícil é para elas o acesso a um atendimento em serviço de saúde. Por isso morrem ou adquirem doenças em decorrência do abortamento desassistido.
Aborto é de fato um problema complexo de saúde pública e a sua legalização é uma necessidade.  O sofrimento das mulheres e das famílias que vivenciam o abandono e a ausência do Estado quando precisam ou desejam abortar deve ser dimensionado por todos os atores públicos, se é que ocupam esta posição para defender os interesses públicos.
No lugar de se comprometer com a cidadania e a saúde das mulheres brasileiras, grupos religiosos impõem ao pais, sob a aquiescência pacífica do governo, aberrações como o Estatuto do Nascituro, bolsa-estupro e outras propostas de igual teor de violência contra as mulheres. Se estes atores que atuam no governo e no Congresso Nacional tivessem a sensibilidade, humanizada e solidária, de perceber, sentir e compreender a situação de abandono, o desespero e a dor das mulheres quando se encontram diante de uma gravidez indesejada, teriam a chance de colocar seus valores religiosos na estrita esfera do pessoal e do privado. Mas para isso é imprescindível que se aproximem da condição humana. As decisões destinadas ao conjunto da sociedade devem ser pautadas pelo respeito ao outro e pela solidariedade humana. Assim o país avançaria para promover, não apenas a laicidade e a democracia mas, especialmente, os direitos, a autonomia , a cidadania e a saúde das mulheres.

*Ana Maria Costa é médica, feminista e presidenta do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
Fonte: Carta Capital

A falácia democrática

Ironia das ironias foi o fato de “a direita americana antidemocrática” pretender exportar a democracia na invasão do Iraque em 2003, diz o filósofo francês Jacques Rancière aCartaCapital. Em O Ódio à Democracia, a ser lançado em breve pela Boitempo (128 páginas, R$ 29), Rancière, 74 anos, rompe vários mitos construídos para inventar aquilo que acreditamos ser uma democracia. De saída, o conceito “pode significar diversas coisas bastante diferentes e contraditórias”. E eis outro mito rompido: o sufrágio universal, e a subsequente representação, não é uma forma democrática através do qual as pessoas exprimem suas preferências políticas.
CartaCapital: O senhor teve problemas com Althusser em maio de 1968 porque via uma diferença entre teoria e prática, mas também porque ele acreditava no poder do professor?
Jacques Rancière: Não tive conflitos com Althusser, como o aluno tem com seu professor. Fiquei impressionado, em maio de 1968, com o fato de a greve geral, o movimento, ter deixado em total contradição a doutrina de Althusser, a crítica da ideologia, a afirmação do primado da ciência. Althusser dizia que seus alunos eram pequenos burgueses. Do ponto de vista de Althusser, a revolta de 1968 não foi nada. No entanto, a revolta causou a maior greve de trabalhadores na história francesa. Passei a interpretar a teoria de Althusser como aquela na qual a ação política dependerá sempre da ciência transmitida por pessoas com a autoridade para fazê-lo. Testemunhei a contradição entre a tese marxista exacerbada e movimentos reais.
CC: Em Le Maître Ignorant (1987), o senhor defende a igualdade das inteligências. Por sua vez, seu livro atual estipula que a igualdade das inteligências depende da vontade e da condição social. Igualdade é um tema central em seu pensamento.
JR: O que disse sobre a igualdade é derivado em parte da minha pesquisa sobre a história da emancipação da classe trabalhadora e, em parte, da ideia de emancipação intelectual, desenvolvida no século XIX por Joseph Jacotot. O ponto central é o seguinte: a igualdade não é um objetivo distante, mas um ponto de partida. Falo sobre a igualdade de oportunidades. E, a partir desse ponto de vista, a emancipação é uma afirmação de capacidade: aqueles capazes de gerir um ateliê ou empresa podem discutir e deliberar sobre os assuntos da comunidade. Fundamental era dissecar essa inversão de posições. Existem oportunidades para pessoas desiguais, dominadas, para traçar o caminho da autoafirmação.
CC: O senhor é um filósofo por formação. Mas muitos críticos dizem ser impossível categorizá-lo, graças ao seu interesse por uma larga série de temas.
JR: De acordo com a igualdade das inteligências, o mesmo indivíduo é capaz de interpretar um texto literário, uma situação política, um filme. Pertenço à década de 1960, quando houve uma espécie de explosão no campo da filosofia. Michel Foucault, por exemplo, estava completamente fora do âmbito normal da filosofia. Interessou-se por hospitais, asilos, prisões. Se a filosofia tem um papel, é o de romper todas essas identificações e o de destacar uma espécie de capacidade intelectual das pessoas.
CC: A política também o interessa a partir da perspectiva da literatura. Entendo como Victor Hugo poderia formar uma opinião política. Mas como pode Joseph Conrad inspirá-lo politicamente?
JR: Há uma forma de política exclusiva à literatura. E essa forma de política não se limita a visões de mundo dos escritores, aos seus engajamentos ou às suas maneiras de representar a sociedade. Claro, há uma relação entre os dois tipos de democracia, mas elas são diferentes. Conrad faz parte de um movimento a envolver Flaubert, Joyce, Virginia Woolf. Quebram uma forma de autoridade que era inerente às estruturas narrativas tradicionais. Considere o prefácio de O Negro de Narciso (The Nigger of the “Narcissus”, 1897). Eis a possibilidade do herói fictício, mesmo em um sentido negativo. Conrad pertence a essa revolução democrática do romance, embora tenha uma posição reacionária como indivíduo: denunciou os anarquistas e revolucionários. Mas isso é interessante, pois há uma tensão entre o artista revolucionário e seu pensamento político.
CC: O termo democracia “é uma expressão de ódio” desde os tempos da Grécia, quando alguns achavam mais crível o governo da multidão. O ódio continua. A violência ligada ao ódio é novidade. O senhor escreve: a democracia pode criar a “coragem, por isso a alegria”. De que forma?
JR: Tentei dizer que a democracia não é mera forma de governo, ou um sistema igualitário. Ao contrário, a democracia é uma ideia extravagante. Expus a tese de um poder para aqueles isentos e sem títulos ao poder. Escrevi que, paradoxalmente, por causa da falta de poder há política porque há democracia. Há política devido ao poder de pessoas que não são nada, não têm qualidades especiais e não possuem títulos (ao poder). Há democracia nos recentes movimentos: “Primavera Árabe”, “Occupy” etc. Nestes casos se solidifica um poder das pessoas em estado de excesso, que é independente em relação ao poder inteiramente incorporado no Estado. Sublinhei que a democracia não é uma forma de governo, é sempre um poder em estado de excesso em relação à democracia formal, sem a necessidade de ser transformado em um futuro remoto a ser obtido após uma revolução a se distanciar.
CC: O senhor faz um esboço do homem em busca da justiça global: são jovens consumidores com ilusões anticapitalistas.
JR: Esse é o esboço traçado pelos antidemocratas, como o filósofo Alain Finkielkraut na França. O objetivo é reduzir novos movimentos sociais a jovens exaltados que sabem ler, mas são incapazes de julgar os fatos políticos. Isso não significa que eu ache todos esses movimentos positivos. Por exemplo, no movimento ecológico há uma mistura de poder a todos e, ao mesmo tempo, o poder da ciência. Vimos novas formas de afirmação igualitárias, mas ao mesmo tempo certas perguntas não encontram respostas. “O que vamos fazer depois de suas ocupações?”
CC: A associação que fazemos entre democracia e capitalismo remonta aos Pais Fundadores dos Estados Unidos?
JR: A tradição liberal é antidemocrática. Os Pais Fundadores não fundaram a democracia porque redigiram uma Constituição para limitar o poder do povo. Mas o poder iria para os esclarecidos, educados. E em suas mentes, iluminados e educados eram proprietários capazes de administrar suas propriedades. O projeto era precisamente submeter a democracia, isto é, o poder de todos, e assim criar um governo da elite. E chamamos esse tipo de governo de democracia, eis o problema.
CC: O senhor pleiteia que “não vivemos em democracias”, mas em Estados de Direito oligárquico. Eleições e representação são mitos. E se a esquerda da esquerda ganha aqui na França ou em outro lugar?
JR: A esquerda da esquerda é um conceito um tanto ambíguo. Existe uma classe de políticos que tomou o poder. De direita ou esquerda, eles têm programas que não são feitos por eles. São impostos pelas instituições financeiras supranacionais e/ou internacionais. Há grupos marginais, mas geralmente não consideram a questão do que é uma verdadeira democracia para o povo.
CC: Muitos dos críticos da democracia nos EUA eram a favor da invasão do Iraque em 2003. É um paradoxo, não?
JR: Essa confusão é resultado do fato de a democracia poder significar coisas diferentes e contraditórias. A direita americana pensou que a democracia era boa para os iraquianos: seria como aquela no Ocidente. Mas como a antidemocrática direita americana pode exportar democracia? Obviamente, eles estavam completamente errados. Não há paradoxo porque a própria concepção que os americanos tinham de democracia foi instrutiva. Eis o que emerge da famosa declaração de Donald Rumsfeld diante dos saques após a queda de Saddam: a liberdade é uma bagunça, é anarquia.
Fonte: Boitempo

“NÃO É O PSDB O ANTÍDOTO PARA A CORRUPÇÃO NO BRASIL, MAS SIM A REFORMA POLÍTICA”


Por Anna Beatriz Anjos e Igor Carvalho
Dentro do táxi até a casa do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), resolvemos puxar papo com o motorista. O taxista desde o princípio professou sua fé e falou da Bíblia. Resolvemos lhe perguntar sobre o nosso entrevistado, já esperando uma resposta que espezinhasse o psolista.
“Freixo? O Marcelo Freixo? Pô, esse cara é sinistro demais. Dizem que se tu precisar de alguma coisa no Rio de Janeiro, pode falar com ele que o cara não deixa na mão.” O taxista, seguindo a toada que demoniza a classe política, afirmou que não votou em ninguém. “É tudo igual”. Mas fez questão de dizer que se votasse, teria escolhido o deputado do Psol.
As eleições de 2014 confirmaram Marcelo Freixo como a principal, ou uma das principais, lideranças do partido, depois que foi consagrado, no estado, como deputado estadual mais votado do paísem termos absolutos, com 350 mil votos. Em 2012, vinte dias após a histórica disputa com Eduardo Paes (PMDB) pela prefeitura do Rio de Janeiro, quando terminou com 915 mil votos (28%), Freixo afirmou: “A grande campanha será em 2016”. Agora, em 2014, o otimismo é mantido. “Chegaremos muito fortes em 2016”, afirma o deputado.
No meio do caminho, entre as duas eleições à prefeitura, um 2014 que “nunca terminará”. “Nove de fevereiro foi a data do programa do Fantástico tentando me associar àquelas confusões por causa do telefonema de uma ativista”, lembra Freixo, que revela ter tido medo das respostas das urnas neste ano.
Com um título no mínimo exótico, o portal G1 noticiou uma possível relação de Freixo com a ativista Sininho, que teria oferecido, segundo o site, ajuda jurídica em nome do psolista aos dois manifestantes responsáveis por atirar o rojão que vitimou o cinegrafista Santiago Andrade no dia 6 de fevereiro.
Confira a entrevista na íntegra:
Fórum – Na última entrevista que o senhor concedeu à Fórum, em abril de 2013, afirmou que seria candidato em 2016 à prefeitura do Rio e que a campanha seria maior. Após o processo eleitoral de 2014, está mais otimista quanto a isso?
Marcelo Freixo - São duas reflexões sobre isso. Primeiro, que a vida da gente não pode ser movida pela lógica eleitoral, mas ela faz parte e está dentro do planejamento da gente. Outra coisa, política você não pode errar no tempo, nisso a gente consegue ir bem, a gente não erra no tempo. Em 2012, tivemos uma campanha que foi um marco, chegamos a 28% dos votos, quase um milhão na cidade do Rio de Janeiro. Ficamos em segundo lugar e só não houve um segundo turno porque houve uma concentração da direita na candidatura do outro candidato, com 22 partidos. Dessa forma, o segundo turno foi no primeiro. Mas, enfim, ali gerou uma outra forma de se fazer política e um outro mundo possível na cidade.
Há um projeto hegemônico que impera no Rio de Janeiro que é o da “cidade negócio”, onde há pouco diálogo e participação das pessoas. Vou dar um exemplo: UPP da Rocinha. Primeira manifestação do governo, após instalar a UPP, foi construir um teleférico. Nenhum morador da Rocinha foi ouvido, nenhum morador concorda com esse teleférico e fazem um protesto contra o teleférico, mas não são escutados. Essa insatisfação já é parte daquilo que ia explodir em junho de 2013, que não foi um movimento, foi um sentimento. Porque, em um movimento, sei com quem estou e onde quero chegar, pode ser de direita ou de esquerda. O que acontece em junho não é isso, porque não sei com quem estou e nem sei onde quero chegar. Era muita gente e cada um querendo ir para lugares diferentes, eram mais cartazes do que faixas, com pautas inúmeras e urbanas, sem pautas rurais, e com algo em comum entre todos: a crise de pertencimento, a falta de identidade.
Pós-2012, o grande trabalho que a gente tinha era passar bem pelas eleições 2014, para possibilitar 2016, e é isso que acontece. O Tarcísio [Motta, candidato do Psol ao governo do Rio de Janeiro] chega a 10% na cidade do Rio com uma campanha que foi escondida pela grande mídia, isso sem contar essa relação estranha que se estabelece com os institutos de pesquisa, que mostravam o Tarcísio com 1% ou 2% na cidade do Rio, e ele fecha com 10%. Isso não é margem de erro, tem outro nome, mas por conta disso o Tarcísio não tem sua agenda divulgada na Globo e nem é chamado para entrevistas. Olha que maluco, ele é conhecido pelo público no debate da Globo, que antecede a eleição, no dia 30 de setembro. Isso é muita violência, é brutal. No Parlamento, temos campanhas com ar de campanha majoritária que são as de Jean [Wyllys], Chico Alencar e a minha, sem militante pago e sem placa emporcalhando a cidade, e sou o deputado mais votado do Brasil.
Mas tem uma característica dessa campanha que é importante: dos 26 bairros onde a milícia atua de forma mais visível, fiquei entre os três mais votados em 17. Nas áreas de milícia não há um adesivo meu, não se pode nem falar meu nome porque morre, nunca pisei nessas áreas na campanha, isso é extraordinário, é fruto do trabalho do nosso mandato. No dia seguinte à eleição, fui à praia com minha namorada e passa um vendedor de água com seu isopor cheio de adesivos da Dilma. Bom, a gente mexe com ele e compra uma água, aí ele me reconhece e fala que queria votar em mim mas não conseguiu, perguntei por que, e ele respondeu: “Porque eu não sabia seu número”. Isso é fantástico, porque mostra que é a força do trabalho, que não pode ser substituído pelo marketing político. Em função desses acertos, chegaremos muito fortes para 2016. Vai ser uma disputa intensa, já sabemos de alguns candidatos que estão colocados.
Fórum – Romário (PSB) e Alessandro Molon (PT) estão na sua lista?
Freixo - O Molon eu não sei porque não sei o que o PT quer para sua vida, mas o Romário é candidatíssimo. O Leonardo Picciani e o Pedro Paulo também, mas precisa ver o que o PMDB vai fazer, um vai ter que sair do partido. O Garotinho deve lançar a filha, Clarissa. Ou seja, muitos candidatos, o que vai provocar uma divisão e deve gerar um segundo turno. Nossa prioridade agora é estar nesse segundo turno. É militância na rua, responsabilidade com a cidade, e manter o projeto que estamos construindo desde 2012, com alianças diferentes, não dá para fazer qualquer tipo de aliança. Aliás, aí vai um recado para o PT. Ontem, o presidente do PT no Rio [Washington Quaquá] manifestou o desejo de me apoiar em 2016. Acho ótimo que o PT queira voltar para a esquerda, mas me apoiar não significa uma distribuição de cargos e nem tempo de TV, essa lógica de aliança eu não vou reproduzir.
Fórum – Sobre o sentimento de 2013. São Paulo sofreu um avanço da direita, com vitória do conservadorismo, assim como no Congresso Nacional, que terá sua formação mais conservadora em tempos. No Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PP) foi o deputado federal mais votado, e o Pezão lidera as pesquisas no segundo turno. Que tipo de relação o senhor faz entre a eleição e o junho de 2013?
Freixo - Uma sociedade que coloca um milhão de pessoas nas ruas não coloca um milhão de progressistas ou de fascistas, vai ter de tudo nesse meio. A maior referência que tínhamos de manifestação popular era a passeata dos cem mil, em junho tinha um milhão sem uma ditadura e com uma diversidade enorme de pautas mexendo com o nosso cognitivo. Na rua, tinha coisas genéricas como “educação e saúde padrão Fifa” – o que isso quer dizer? Tudo e nada ao mesmo tempo. Também tinha o cara contra a violência policial, mas daí para debater a desmilitarização, você tem opiniões diversas. Ou seja, se sabia muito mais o que não se queria. A chance desse movimento gerar um voto conservador era enorme.
Não acredito que todo mundo que votou no Bolsonaro seja a favor da ditadura ou da tortura, mas o Bolsonaro faz algo que a esquerda não consegue: concentra o voto conservador, que sempre existiu. O Rio é isso, conservador e transgressor. O cara “sem partido” vai votar no Bolsonaro porque ele tem medo e está inseguro. O medo, diz Zygmunt Bauman, é sempre o combustível da intolerância, o medo pode gerar o preconceito e a eliminação e percepção da aceitação da diferença, e isso o Bolsonaro expressa bem. São Paulo é mais conservadora, esse processo vem de longa data, agora ficou mais agudo, mas é mais compreensível.
Fórum – Com esse Congresso conservador, devemos ter um freio no avanço das pautas progressistas?
Freixo - Essa entrevista está acontecendo depois de dez dias do primeiro turno, vou te dizer uma coisa, uma vitória do Aécio Neves representa o maior retrocesso da história da República. Com esse Congresso, pautas como redução da maioridade penal e privatização dos presídios vão decolar, vai ser uma pauta difícil de segurar. Por um lado, na luta pedagógica estamos fragilizados, não há um apelo popular favorável aos direitos humanos porque a intolerância e o medo alimentam a rejeição aos direitos humanos. Por outro lado, temos um Congresso cuja pauta política é o reforço de um projeto mais autoritário em relação à juventude sobrante, aos que o Bauman vai chamar de “supérfluos”. Isso é muito preocupante, se o Executivo não for um freio, para equilibrar essas forças conservadoras, vamos ter um retrocesso brutal na área dos direitos humanos. Acho que devemos ter quatro anos de redução de danos.
Fórum – O senhor manifestou o voto na Dilma. Setores da esquerda pregam o voto nulo e há pessoas que afirmam que PT e PSDB significam o mesmo projeto de governo. O que o senhor acha desse tipo de análise?
Freixo - Não concordo com isso. Declarei meu voto e isso é uma instância particular e cidadã. Fiz isso no dia seguinte à eleição, de manhã, em uma entrevista à rádio CBN. Bom, isso teve grande repercussão, a própria Dilma me ligou vinte minutos após a entrevista e não houve qualquer acordo, quero deixar claro que não há qualquer moeda de troca. Não vou participar do governo da Dilma e não vou indicar ninguém para cargos. Não acho que os dois partidos representem a mesma coisa, e o principal discurso contra o PT não é o que eu faria.
Tenho muitas críticas ao PT. Por exemplo, acho um desastre a política agrária e acho um absurdo o pagamento de nove dias de juros aos bancos ter o mesmo valor de um ano de Bolsa Família, entre outras coisas. Tem ainda a lógica da governabilidade, que se volta contra o PT neste momento. Mas grande crítica que vejo ao PT hoje, no Rio, é a crítica à corrupção. Tenho recebido ataques nas redes sociais pelo apoio, como se a vitória do PSDB consertasse a corrupção. O discurso antipetista hoje é marcado por uma suposta moralidade, não é uma crítica política ou de modelo. É evidente que tenho críticas em relação a isso também, mas o debate da corrupção não é comportamental, a corrupção é estrutural e sistêmica. Não estou dizendo que é inevitável. A corrupção tem ligação com sua política de alianças, com sua estrutura política e com a “não reforma” política brasileira. As lógicas que condenam o PT não são as razões que me levam a querer a mudança. O Aécio é uma bandeira moralista que não tem condições de ser isso. Se alguém condena o “mensalão” do PT, como eu condeno, deveria condenar também o “mensalão” do PSDB em Minas Gerais. Aliás, Minas o condenou, derrotando o Aécio e o candidato dele nas urnas. Além disso, a própria reeleição do FHC e o governo do Marcelo Alencar [PSDB] no Rio de Janeiro são outros exemplos de corrupção. O PSDB não pode se colocar como a solução comportamental do enfrentamento à corrupção.
No que diz respeito a pautas, o Aécio quer retomar o Estado mínimo e retomar a criminalização dos movimentos sociais, que são pautas em que tivemos pouco avanço da Dilma, mas avançar pouco é diferente de retroceder. Sou um militante histórico dos direitos humanos, são 27 anos atuando na área, não posso olhar para a minha história e olhar pra esse segundo turno dizendo que eles representam a mesma coisa. Mas aviso que farei oposição à esquerda ao governo de Dilma.
Fórum - Em São Paulo, o PSDB tem se colocado favorável à redução da maioridade penal e à privatização dos presídios. As duas propostas têm apoio do presidenciável Aécio Neves. O senhor, que atua na área de direitos humanos há 27 anos, com maior incidência no sistema carcerário, pode fazer uma análise sobre o impacto que essas medidas podem ter em nosso sistema carcerário?
Freixo - Por exemplo, quando falo que não é a mesma coisa, me refiro a essa pauta. Poderia dar mais exemplos, mas é que essa é muito aguda. Falo do Aécio, mas esse é um programa do PSDB. O Serra foi eleito senador em São Paulo justamente com essa bandeira: redução da idade penal e privatização de presídios. Isso diz muito, porque é um debate de classe. Não é técnico, de propostas. Coloca no centro do debate de direitos humanos o debate de classe. Você pode pegar entrevistas minhas de muitos anos, venho dizendo o seguinte: a luta por direitos humanos hoje é o novo paradigma da luta de classes. Acho que o Brasil vai ter que fazer uma escolha: se a gente quer botar a juventude no banco da escola ou no banco dos réus. Tem um setor da sociedade brasileira que já escolheu, vai botar no banco dos réus. Essa é uma escolha de classe.
Para você ter uma ideia, é só olhar o número de brancos mortos em 2002, 2006 e 2010, e o número de negros mortos nos mesmos anos. Em 2002, morreram 18.852 brancos; em 2006, 15.753; em 2010, 13.688. O número de negros mortos – são dados oficiais – em 2002 é de 26.952; em 2006, 29.925; em 2010, 33.264. Enquanto a população branca vítima de homicídio diminui, o que é extraordinário – redução de homicídios é sempre válida –, a negra cresce. Hoje, tem mais de três vezes chance de ser assassinado um negro do que um branco. Hoje, quando você entra em um presídio, vê uma massa de jovens pobres, negros, de baixíssima escolaridade, moradores de periferias e favelas. Há um processo de criminalização da pobreza que legitima uma política pública de segurança baseada na oficialização e na institucionalização dessa criminalização, que é quando você diz que vai reduzir a idade penal e que vai privatizar o presídio. Vai transformar em lucro a barbárie e a destruição de perspectiva de uma geração inteira de jovens pobres e negros.
Isso não é um detalhe, não é uma coisa pequena. Isso é central no debate de perspectiva de país, de concepção de desenvolvimento e de democracia, de pertencimento de luta de classe. Esse é um olhar de classe. Não posso, assim, dizer que eles [Dilma e Aécio] são iguais. Não são. Espero que no debate de amanhã [promovido pela TV Bandeirantes na terça-feira, 14] a Dilma fale isso, que se posicione em relação a isso, enfrente isso e se coloque como um projeto diferente. Que ela não dispute à direita o voto conservador.
Fórum - Quando o senhor entregou o relatório da CPI das Milícias, em 2008, eram 170 áreas dominadas por milicianos. Hoje, estima-se que cheguem a 300. O senhor já recebeu notícias da atuação de milicianos dentro das UPPs?
Freixo -  Esse é um debate. Primeiro, ao contrário do que alguns diziam, não acho que a UPP seja uma milícia, são coisas diferentes. Se você acha isso, acha também que em qualquer lugar onde há polícia, há milícia, e essa é uma afirmativa muito perigosa e irresponsável. Agora, a UPP não é um instrumento de enfrentamento às milícias, essa é a primeira coisa que tem que ser dita. É um instrumento de retomada de território de áreas muito específicas, que interessam a outros projetos, do tráfico. Só tem uma única UPP instalada em área de milícia, na favela do Batan, onde os jornalistas foram torturados. É muito simbólico que seja exatamente ali. Nenhuma outra UPP está em área de milícia, todas elas estão em áreas do tráfico e muito específicas. Por exemplo, 100% estão em favelas da zona sul. Em Jacarepaguá há uma área muito dominada por milícias, e só tem unidade na Cidade de Deus, que é onde tinha tráfico. UPP não um instrumento para enfrentar milícias, é outra coisa, um projeto de cidade, que envolve um debate mais profundo.
As milícias surgem no governo Rosinha [Garotinho], crescem muito no governo Cabral. Na eleição de 2006, foi o momento de maior avanço institucional das milícias – elas elegem um deputado, já tinha eleito vereadores, que alcançam uma representatividade institucional como nunca antes. Um ano depois, vem a CPI [das Milícias, da qual Freixo foi presidente], e isso dá uma mexida nesse tabuleiro político. Hoje, aqueles que eram representantes institucionais das milícias estão todos presos e condenados, não sobrou nenhum. Mas, como a milícia tem uma estrutura de máfia, não é detida pela prisão de seus líderes – nenhuma máfia do mundo é detida porque seus líderes são presos. As milícias evidentemente têm os seus braços econômicos, territoriais e políticos. Isso continua, tanto é que no governo Cabral, mesmo com as prisões efetivadas, foi o momento em que mais cresceram, prova contundente de que só a prisão não resolve. Não foram tirados deles nem território, nem o braço econômico.
A ideia de que as áreas de UPPs podem se transformar em milícias é um risco, porque sempre tem território disputado. Se olharmos para a favela da Maré hoje, o exército está ali preparando para instalar uma UPP. A favela da Maré é composta, na verdade, por 16 comunidades. Uma delas, Ramos, que está ao lado, onde não há a presença do exército, é da milícia, e não está prevista UPP ali. Está prevista em todo o entorno, mas não ali.
Fórum – Na última entrevista que o senhor concedeu à Fórum, fez um paralelo entre o projeto de UPPs e megaeventos. Isso se confirma, mais de um ano depois?
Freixo -  Claro.
Fórum – O senhor falou também que, em seu embrião, a ideia do projeto de UPPs não era ruim.
Freixo -  A gente nunca foi contra o policiamento comunitário, a ideia da política de aproximação da polícia. Isso defendemos há anos. O problema é que a UPP é muito mais complexa do que isso. Seis anos depois, há a possibilidade de aproximação da polícia, mas não tem a formação de uma outra polícia. Ela continua não sendo uma polícia de aproximação, porque continua sendo formada para a guerra, para uma invasão do território do inimigo, e isso mata completamente a possibilidade de política de aproximação. Há ainda, nas outras áreas que não são de UPPs, um deslocamento do crescimento da violência, algo muito previsível de que governo não tratou. Se olharmos o que acontece hoje em São Gonçalo, Niterói, Baixada, é um horror, as taxas de criminalidade explodiram nesses locais, porque é evidente que haveria deslocamento. E, mais do que é isso, nos lugares onde há UPP, não há mediação. Então, o morador não sentiu que essa política de aproximação da polícia pudesse gerar mais autonomia sua nas decisões do local onde vive. Pelo contrário, ele agora precisa se destinar à polícia para pedir autorização em relação a coisas que só a polícia determina. Se eu quiser fazer, na minha casa, o aniversário de quinze anos da minha filha, não preciso pedir autorização à polícia, mas isso é necessário em qualquer área de UPP.
Tem um processo de militarização da vida que não caracteriza uma política de aproximação, porque não há mediação dos conflitos. Não há a presença de um outro setor para além da polícia para que possa dar a ela um papel diferente do que o que etem hoje nas áreas de UPP. E, seis anos depois, os conflitos existem inevitavelmente, porque não há um canal de escuta, por exemplo. Então, por um lado, não há uma polícia preparada para a lógica da aproximação, que ainda vive na lógica da guerra – há uma desorganização muito grande dessa polícia –, não tem a mediação dos conflitos – a presença de um mediador que esteja para além da polícia –, não há investimentos em áreas essenciais e mais desejadas por esses moradores, não há canal de escuta desses moradores para que o Estado possa saber onde esses investimentos precisam chegar. Ou seja, sobra para a polícia administrar e ser o xerife, uma função que não existe constitucionalmente. A polícia hoje, nas áreas de UPP, são prefeitos, governadores, síndicos, além de policiais, em uma área dominada militarmente.
É evidente que é bom não ter o tráfico, embora ele continue em diversas áreas de UPP. O fato de ele não existir traz ao morador, em um momento inicial, a ideia de conforto, mas, com o tempo, isso passa a não justificar o conjunto de problemas – até porque, em vários lugares, a presença armada do tráfico voltou.
Fórum - O Rio de Janeiro elegeu o primeiro prefeito do Psol, ampliou o número de parlamentares do partido de três para cinco, na Alerj; além disso, aumentou de dois para três o número de parlamentares representando o Rio de Janeiro na Câmara. Por que a relação do Psol com o Rio tem se fortificado tanto, de forma distinta do resto do país?
Freixo -  O Psol, se não me engano, elegeu doze deputados estaduais. Destes, cinco estão no Rio de Janeiro, o que confirma o que está dizendo. Dos cinco federais eleitos, três estão no Rio de Janeiro. Os números, pelo menos do ponto de vista eleitoral, dão ao Rio um protagonismo muito forte, isso não tem como negar. Acho que tem a ver com essa característica do Rio de Janeiro. Nossa campanha de 2012 [quando Freixo era candidato à prefeitura do Rio] foi um divisor de águas. Não por minha causa, mas por conta do contexto. O embrião daquilo que explode em 2013 já existia aqui no Rio de Janeiro.
O último ato da campanha, que foi um comício na Lapa, dava para fazer uma leitura de que tinha alguma coisa acontecendo no Rio. Foi um dia que dava inveja para Noé, porque nunca vi chover tanto na minha vida. Às três horas da tarde, quando estávamos reunidos, eu estava em pânico, chegou um momento que achei que tinha que cancelar, porque não parava de chover torrencialmente. Mas ia desmarcar como? As pessoas iam aparecer. Aí me vem uma informação de que às cinco horas da tarde começa a chegar gente debaixo da chuva. Eu disse para manter. Foi chuva do princípio ao fim, e a gente tinha milhares de pessoas na Lapa, a perder de vista. Se não chovesse, poderia ter sido um dos maiores comícios dos últimos tempos no Rio de Janeiro. O Psol, no Rio de Janeiro, consegue expressar esse sentimento [de dualidade transgressor x conservador].
O Psol tem um parlamentar como o Jean [Wyllys], absolutamente atípico, que pega as pautas que ninguém nunca teve coragem de pegar, e coloca no centro de seu debate político. E foi o deputado que assistiu ao maior crescimento de sua votação. Sai de 13 mil votos para 140 mil. Acho que hoje o grande acerto do Psol do Rio de Janeiro foi ter insistido nessa política de escuta e de ampla participação dos setores dos movimentos, dialogar com eles. Há muita vida que pulsa no Rio de Janeiro para além dos partidos. Não que isso não tenha acontecido em outros lugares do Brasil, vejo isso ocorrer no Sul, no Ceará, mas não tem o mesmo resultado eleitoral. Só não estou dizendo que essa iniciativa é exclusiva do Rio de Janeiro, porque não é. São as características do Rio de Janeiro. O Sul, por exemplo, convive ainda com um PT muito forte, a gente aqui não, convivemos com um PT que foi governar com o PMDB. Há diferenças específicas de conjunturas que também ajudam a entender isso.
Fórum – E, nacionalmente, como o Psol sai destas eleições? O senhor considera que a Luciana Genro é uma nova liderança?
Freixo -  A Luciana já era uma liderança. Mas ela vive um negócio atípico. Tenho uma relação das melhores com a Luciana, tenho muito carinho por ela. Fiquei muito contente com a sua candidatura, quero deixar claro que desde o início achei que a candidatura tinha que ser dela, acho que perdemos tempo. Não quero com isso remontar ao passado, isso é bobagem, mas acabamos perdendo tempo. A Luciana acabou sendo candidata já muito perto das eleições, trocou a roda com o carro andando, e isso atrapalha, mas ela teve uma capacidade incrível de se posicionar. Esta campanha, sem Luciana, teria sido muito pobre. Ela cumpriu um papel decisivo, e acho que será muito importante daqui para frente na consolidação do Psol, no amadurecimento do Psol como uma força de esquerda. Não dá para o Psol continuar sendo uma força carioca nacional. A gente precisa ampliar isso.
Fórum – Quanto o não financiamento privado das campanhas do Psol contribui para os mandatos exitosos de seus candidatos eleitos?
Freixo -  Isso é decisivo. A reforma política é essencial para a democracia. Disse algo no começo da entrevista que me apavora muito: as razões que a sociedade tem para derrotar o PT não são as razões que eu tenho para derrotar o PT. Esse debate moralista da corrupção é um grande equívoco. Não estou dizendo com isso que a corrupção é algo menor, mas não é o PSDB o antídoto para a corrupção no Brasil, mas sim a reforma política, que vai atingir tanto o PSDB quanto o PT. Porque têm os mesmos métodos, os mesmos financiadores – é uma mera questão de intensidade. Acho que o Psol tem que insistir nisso. O Tarcísio usou uma frase que fez muito sucesso durante a campanha: “quem escolhe a música é quem paga a orquestra”. Se você é financiado pelas empreiteiras, você vai administrar uma cidade como o Rio de Janeiro com quem?
Fórum – Em setembro, tivemos o plebiscito popular pela Constituinte Exclusiva à reforma política, 7,7 milhões de pessoas votaram. A mídia tradicional escondeu totalmente esse fato. A democratização dos meios de comunicação não é também uma pauta essencial?
Freixo -  Claro. Brinco dizendo que uma das pautas da reforma política é a democratização dos meios de comunicação. É um dos itens. Sempre que falo isso, me remetem à Cuba, Venezuela. Eu digo que podemos ir mais longe, subir mais um pouco e chegar aos Estados Unidos. A legislação norte-americana sobre os meios de comunicação é muito diferente da nossa. Jamais pode haver lá a concentração que há aqui, uma mesma empresa não pode ser dona de jornais, TV e rádio. É decisiva para a democracia a discussão dos monopólios da informação hoje e os interesses de uma empresa sobre a produção de informação. É evidente que isso não pode cair nesse jogo barato de dizer que estamos defendendo a censura.
Esse ano passei por uma situação muito delicada. O pessoal que diz que 1968 é o ano que não terminou não conheceu 2014. Nove de fevereiro foi a data do programa do Fantástico tentando me associar àquelas confusões por causa do telefonema de uma ativista. O que vivi ali foi algo pra lá do surreal, a tentativa mais torpe de destruição de uma vida pública. Sem nenhuma possibilidade de defesa, sem nenhuma acusação, porque não havia qualquer elemento de acusação. “O estagiário recebeu um telefonema de uma ativista e o estagiário disse para o advogado, que disse para a jornalista, que a ativista teria dito para o estagiário que eu ofereci um advogado”. Isso deu uma matéria de oito minutos no Fantástico e queriam que eu me explicasse. Explicar o quê? Foi uma campanha de ataque contra mim, fui assunto em três editoriais na Globo em uma semana, nunca tinha visto isso, era uma tentativa de destruir uma vida política.
A reação vem das redes sociais. O Caetano Veloso, a quem devo muito, escreve um artigo dentro do jornal O Globo me defendendo, começa uma campanha espontânea de cancelamento de assinatura do O Globo, que a gente nem sabia de onde estava vindo. No Facebook, começa uma página “Tenho ligação com o Freixo” e meu rosto vira máscara de carnaval. Toda essa reação mostra que há um outro lado nisso tudo, esses caras não são mais donos do que eles achavam que eram, hoje é possível fazer um contraponto. E, olha, vou falar algo pela primeira vez em uma entrevista. Eu estava esperando demais o resultado dessa eleição, porque seria uma resposta. A coisa mais dura, pra mim, foi que os caras me acusavam de não acreditar na democracia. Uma vida inteira dedicada à democracia e me dizem isso? Diziam que eu estimulava e pagava militante para depredar e causa tumulto. Foi duro.
Fórum – O senhor estava falando da força das redes sociais. Em 2012, sua candidatura foi alavancada pela internet. Em 2014, talvez a disputa eleitoral já tenha sido mais propositiva na internet do que na televisão. O senhor acha que é possível ganhar a eleição em 2016 na internet?
Freixo - Acho que sim, apesar das limitações impostas pelo Facebook, que nos prejudicou bastante. Se você pegar o meu mapa eleitoral de 2014, vai ver que eu tive votos em todos os 92 municípios, foram 250 mil votos na cidade do Rio de Janeiro e os outros 100 mil espalhados. Se olhar esse mapa dos 250 mil votos, vai ver que tive votos em áreas que nunca coloquei o pé e isso tem duas explicações: o meu mandato e o alcance da internet. Não é verdade que a rede social é elitista, hoje você chega nos lugares mais afastados e mais pobres com a rede social. Fui o candidato mais votado do Rio de Janeiro e isso é bom pra acabar com essa palhaçada de “candidato zona sul”, fui o mais votado da Rocinha. Entra na Rocinha, tem mais placa do que morador na Rocinha, nenhuma placa minha. Aliás, tem um deputado que se acha o dono da Rocinha, tem placa dele para tudo que é canto, e eu encontrei com ele nessa semana na Alerj e não resisti, passei por ele e mandei: “Tá vendo, foi fazer economia, gastou pouco na Rocinha e te ganhei lá.”
Fórum – Deputado, o senhor já consegue caminhar sem segurança pelo Rio de Janeiro? As ameaças de morte cessaram?
Freixo - Faz tempo que não recebo uma ameaça direta de morte. Quanto mais visibilidade eu tenho, maior tem que ser a defesa, mas isso não é garantia. Evidente que se um deputado é assassinado, isso vira um escândalo internacional, mas não posso achar que o sujeito que quer me matar vai ter esse pensamento. O que a gente fez foi algo muito duro pra eles [milicianos]. Vingança é um prato que se come frio e não posso me descuidar, os sinais e os recados que me mandam a Secretaria de Segurança é que devo me cuidar, principalmente com a rotina, que é onde mora o perigo de quem é ameaçado. Mas não me privo de sair, de namorar, de fazer as coisas que gosto, com algumas privações, mas vivo e sou feliz porque acredito no que faço.

Para a academia, a favela é só uma estatística

Nota de repúdio da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) ao lançamento do livro “Os donos do morro” na UERJ. O lançamento do livro “Os donos do morro” é mais uma bola fora da academia em relação às favelas cariocas. O lançamento da obra na UERJ foi marcado por um escracho do movimento comunitário e do movimento estudantil contra o Coronel Frederico Caldas, comandante-geral da UPP, presente no evento. O protesto propôs uma inversão de papéis: a polícia que tanto silencia os favelados, dessa vez foi silenciada pelos manifestantes.
A capa do livro e o material de divulgação é no mínimo infeliz: mostra policiais da UPP de braços cruzados no alto do morro; como os atuais donos das favelas do Rio de Janeiro. Então o objetivo de "libertar" o morro dos “donos-bandidos” é apenas pra trocar os donos?
As supostas “críticas” aos projetos da UPP que dizem constar no livro são um ato de cinismo. O idealizador do livro, professor Inacio Cano, chega a afirmar em entrevista ao portal G1 em 15/10/2014 que o fato do caso Amarildo ter ganho tanta notoriedade só foi possível graças à UPP (!). Se não, seria esquecido ou sequer divulgado. O professor esquece que a mídia só divulga o que quer e da forma que quer, e que a UPP é defendida diariamente em duas edições do RJTV, com direito a policial de comentarista. Que debate é esse sem o outro lado? A entrevista deixa claro que não há críticas às UPPs, mas sim, pequenos “equívocos” que se modificados poderiam fazer com que o projeto fosse melhor implementado.
Então os assassinatos cometidos por policiais são um pequeno efeito colateral de um projeto que está dando certo? Então o estupro de meninas no Jacarezinho por policias da UPP foi positivo para melhorar a UPP? Vamos falar com a família do Amarildo e do DG de que a morte deles deu “notoriedade” às UPPs? Essas opiniões só podem ser proferidas por acadêmicos que estudam a favela de binóculo a partir da varanda do apartamento. O professor Inacio Cano, se referindo ao protesto, diz estar preocupado que “grupos autoritários decidam o que pode ser falado em um local público”. Ora, não é isso que a UPP faz todo dia com nós, favelados e faveladas? O funk toca em todas as boates da playbozada e festinhas universitárias, mas na favela, seu berço, a UPP não deixa. 
O Conselho de Juventude da FAFERJ participou do ato para gerar um debate, pois uma mesa com acadêmicos e policiais não é uma discussão representativa. A FAFERJ, que representa mais de 1.800 favelas em todo estado, nunca foi chamada pra discutir nada sobre a pacificação. Não é novidade para ninguém que é um projeto autoritário instaurado de cima pra baixo. O objetivo da pacificação não é paz, mas sim, a militarização da favela e o controle de seus moradores, principalmente, de suas reivindicações políticas.
As perguntas devem ser refeitas: Por que os acadêmicos da UERJ não fazem um debate sobre o tema convidando moradores de favela e lideranças comunitárias? Por que os engenheiros da UERJ nunca fizeram livros sobre como urbanizar as favelas de forma rápida e barata? Por que esta Federação nunca recebeu nenhum projeto de apoio da UERJ, que é sustentada com impostos e trabalho duro de muitos favelados? Onde estão os médicos da UERJ para oferecer melhores atendimentos e condições para as favelas?
Os professores e acadêmicos que nos criticam nunca fizeram um livro, um artigo ou produziram algo que melhorasse a vida do povo do Rio de Janeiro, embora ganhem muito bem pra isso. A FAFERJ quer debater e temos muito que dizer sobre o tema, não precisamos que meia dúzia de acadêmicos numa sala refrigerada escrevam livros e falem por nós! 
Finalizamos, lamentando que muitos não tenham entendido o objetivo do ato. Várias pessoas se “indignaram” pelo evento ter sido interrompido, clamando por liberdade de expressão e pensamento, chegando a taxar os manifestantes de fascistas. Isso mostra que a proposta do ato alcançou seu objetivo. Agora vocês sabem como nos sentimos. A troca de lugares nessa situação mostrou exatamente o que passamos diariamente, geração após geração. Infelizmente, a maioria das vezes são os policiais que nos silenciam, com fuzil, tapa na cara, quando não com a vida. Se neste dia o comandante da UPP ficou em silêncio, talvez tenha refletido sobre o que nós sofremos diariamente. Os favelados estão sendo silenciados e mortos desde quando surgiram as primeiras favelas no dia 14 de maio de 1888, logo após a abolição da escravidão.
Seguimos dizendo: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci; E poder me orgulhar, ter a consciência que o pobre tem seu lugar”

Fonte: FAFERJ

Projeto Escola de Rua

A Escola de Rua oferece gratuitamente ensino, conhecimento e reflexões livres em filas de restaurantes populares, a praças, metrô. Os assuntos variam entre filosofia, psicologia, a vida o universo e tudo mais.
Por meio de conversas e ilustrações tratamos de assuntos importantes para vida, como: Raiva, Inveja, Liberdade, Como brincar sendo grande?, Transparência, Sinceridade, Projetos de vida, Mediocridade, Amizade, Arte de ouvir, Humildade, Paciência, Comunicação Não-Violenta, dentre outros.

Na cidade de São Paulo, existem 21 restaurantes populares chamados Bom Prato, onde cada refeição custa R$ 1,00. Milhares de pessoas dependem desses espaços para se alimentarem. Inclusive eu. Durante o horário do almoço, aproveito o tempo em que as pessoas estão paradas esperando para entrar no restaurante e compartilho momentos de aprendizagem livre.
A Escola de Rua também acontece em Praças de São Paulo, no Metrô, ou em qualquer outro ambiente onde é possível ensinar.
O objetivo é que todos os espaços sejam percebidos como lugares em que podemos aprender, e que as pessoas se sintam confortáveis em sonhar, criar, participar e escrever a sua própria história, até mesmo na fila do restaurante popular.
Meu nome é Diego Macedo, eu sou Psicólogo, estudo Filosofia há muitos anos e estou aqui pra compartilhar um pouco do que eu sei e do que eu amo para quem quiser ouvir.
Tenho habilidade em trabalhar com com Crianças Especiais, atuei em vários projetos e trabalhos relacionados a isso. Sou palestrante em Colégios, Escolas e Faculdades. Adoro conversar com adolescentes.
Estou no Estaleiro Liberdade e Empreender-se, em São Paulo, que são escolas de empreendedorismo através do autoconhecimento, são escolas para quem quer ser livre. Meu objetivo é me reconectar com meus sonhos e me permitir realizá-los.
A Escola de Rua é um projeto que estou desenvolvendo no Estaleiro e no Empreender-se e é uma das formas de empreender através daquilo que amo.

Fonte: Catarse

ABC Cooperativa: empresa de ônibus gerida por seus trabalhadores

A empresa de ônibus ABC iniciou suas atividades em 2001 na cidade de Colônia do Sacramento, no Uruguai, operando uma linha entre o centro histórico e o bairro Real San Carlos. Porém, em meio ao contexto regional de crise econômica, seu proprietário acumulou dívidas que não conseguiria pagar e se viu, no mesmo ano, prestes a abandonar o serviço.
Mas, se o cenário era de recessão, era também de luta: na outra margem do Rio da Prata, operários argentinos recuperavam as fábricas abandonadas pelos patrões e retomavam a produção sob controle coletivo. Os rodoviários da ABC não fizeram diferente: diante da iminência de perderem seus empregos, iniciaram suas assembleias para discutir a proposta de assumir a empresa. A mobilização culminou em setembro daquele ano, quando, em negociação no Ministério do Trabalho, o patrão cedeu aos trabalhadores os três veículos e as demais instalações até 2007.
Surgia aí uma das primeiras empresas recuperadas do país: a ABC Cooperativa, sob “Gestão Operária”.

As assembleias foram mantidas: semanalmente, aos sábados, todos os trabalhadores se reúnem para deliberar coletivamente sobre os rumos da empresa. Desde os menores aspectos, como o horário de almoço, até a gestão dos fundos – quanto do dinheiro arrecadado nas passagens vai ser direcionado aos salários, quanto à manutenção dos veículos, etc. Eleitos por voto, os cargos da presidência e secretarias da cooperativa podem ser destituídos pela decisão de qualquer assembleia. Com isso, a ABC se distingue das demais cooperativas de transporte do Uruguai, em geral geridas por um conselho diretor que se reúne não mais que uma vez por ano com os empregados para apenas informar sobre a situação da empresa.
Contra todos os prognósticos, a ABC voltou a operar sob controle operário e superou as dívidas deixadas pelo patrão falido com a Prefeitura e o Banco da Previdência Social. Mais do que isso, aumentou os salários acima da média nacional e ampliou os postos de trabalho – de inicialmente 9, no ano de 2013 eram já 15.
Não existindo um sindicato de rodoviários em Colônia, os trabalhadores da ABC buscaram solidariedade da UNOTT (União Nacional dos Operários de Transporte) e das cooperativas de ônibus de Montevidéu, com as quais conseguiram financiar a compra de novos veículos por um preço mais barato. Essa articulação chegaria ao fim em 2008, quando a ABC foi expulsa da PIT-CNT por criticar a política governista assumida pela central sindical.
Outro esforço da cooperativa foi de estabelecer uma rotatividade de funções – manutenção, direção, cobrança – em seu interior. Além disso, a ABC criou também uma escola para motoristas de ônibus inexperientes, na qual se formam novos trabalhadores para a própria cooperativa e para empresas de ônibus em geral.
Contrapondo-se à tendência geral das empresas de ônibus que demitiram os cobradores e deram dupla-função aos motoristas, a ABC manteve dois trabalhadores em cada ônibus. Não só por recusar engrossar o exército de desempregados, mas por entender que a existência de um segundo trabalhador no ônibus – disponível a orientar os passageiros, enquanto o motorista se concentra em dirigir – é fundamental para prestar um serviço de qualidade à população.
Em 2006, a ABC criou também um centro cultural num bairro de periferia, onde desde 2010 transmitem uma rádio comunitária, a Iskra 102.9 FM, que pode ser sintonizada em um raio de 20 km.
Se em um primeiro momento o embate dos trabalhadores da ABC foi com o antigo proprietário, após 2001 a gestão operária passou a enfrentar uma batalha com as demais empresas da cidade. Defendendo a implementação de uma “tarifa popular”, a ABC se opôs sistematicamente a todos os aumentos no preço da passagem, por entender que prejudicariam a população de Colônia. Como a aprovação de um reajuste depende da decisão consensual de todas as partes (a prefeitura, que regula o sistema, e as empresas), há anos a ABC barra qualquer possibilidade de aumento.
Isso causou prejuízos à outra empresa, COTUC, que operava há 30 anos na cidade e mantinha relações íntimas com a prefeitura. Quebrada, a COTUC se renovou na nova empresa Sol Antigua S/A. Esta passou a operar três linhas, enquanto a ABC permaneceu operando apenas a do bairro Real San Carlos – e, toda vez que tentou ampliar seus serviços, foi impedida pelo governo.
Em 2009, com apoio do BanDes – o Banco de Desenvolvimento da Venezuela –, a ABC Cooperativa comprou um veículo novo, 0 km, e se apresentou sozinha para a licitação da linha do bairro El General. Na véspera do encerramento do prazo, a Sol Antigua se inscreveu usando, de fachada, um nome diferente: SA S/A. Ao contrário da ABC, que havia investido em novas instalações para oferecer o novo serviço, a SA S/A não apresentou nada, mas mesmo assim ganhou a linha. Desde então, a ABC denuncia o “amiguismo” e o favorecimento ilícito do governo à Sol Antigua, e reivindica a operação linha de El General.
A mesma situação se repetiu em 2012, quando a ABC Cooperativa se apresentou sozinha para a concorrência do transporte na cidade de Carmelo, na província de Colônia, a 80 km da capital. Apesar de ter sido a única empresa a se apresentar, foi recusada.

Com seus sucessos e dificuldades, a experiência de mais de uma década da ABC Cooperativa sob gestão dos seus trabalhadores lança luz a um horizonte possível à luta dos movimentos sociais de transporte no Brasil. Embora já em sua Carta de Princípios o Movimento Passe Livre levantasse como perspectiva estratégica a luta “pela expropriação do transporte coletivo, retirando-o da iniciativa privada, sem indenização, colocando-o sob o controle dos trabalhadores e da população”, de fato essa proposta esteve distante por muito tempo. A vivência massiva de decisão da população sobre o sistema de transporte com a derrubada dos aumentos na tarifa em junho de 2013 deu outra dimensão à questão para os movimentos daqui. Lentamente, ela vai ganhando concretude, como os recentes experimentos de organização temporária de linhas autônomas, como fizeram os moradores do Marsilac; e, principalmente, com o desenvolvimento das formas coletivas de lutas dos trabalhadores rodoviários, que atingiram dimensões inéditas com a onda de greves em todo país em 2014. Nesse sentido, o contato dos movimentos do Brasil com a experiência da ABC e as possibilidades de intercâmbios são muito importantes.
Fonte: Passa Palavra