Retrato de uma juventude revolucionária




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Há 25 anos, o Brasil conhecia a sua nova Carta Magna, a Constituição da República Federativa de 1988. Bastante aclamada mundialmente, a nossa Constituição é exemplo quando se trata de garantias sociais e direitos humanos. Porém, para chegar a tal nível, os brasileiros de décadas passadas precisaram passar por um período de lutas muito intenso, precisaram derrubar uma ordem vigente e obtiveram êxito. Graças a estes brasileiros, hoje possuímos direitos fundamentais inimagináveis em um contexto de ditadura. Nossa Constituição é fruto de uma vitória popular e isso é motivo para nos orgulharmos. Gostamos tanto de nos menosprezar enquanto nação, mas não podemos deixar que momentos gloriosos como esse caiam no esquecimento ou fiquem “por baixo” de acontecimentos ruins, prejudiciais ao país. Sei que se trata de um “cabo de guerra”desleal entre acontecimentos que nos orgulham e acontecimentos que nos envergonham, mas, às vezes, nos colocando no lado otimista deste cabo, já é suficiente para reacender os sentimentos de esperança e os sentimentos de ação em relação às mudanças que queremos ver no Brasil.
Peço desculpas se o discurso soa muito romântico ou utópico, mas creio nele baseada justamente no exemplo histórico da implantação da nossa Constituição. Voltar os olhos para o passado é uma conduta que deve ser constante, pois, a partir dela, somos capazes de ponderar os fatos para não cometermos os mesmos erros ou para nos inspirarmos nos acertos. “Um povo que não conhece a própria história está condenado a repeti-la” e, observando a história pré-Constituição de 1988, acredito que a maioria esteja de acordo que não seria adequado, muito menos lógico, repetir o que ocorreu.

“Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”

- George Santayana
Por isso convido-lhe a assistir ao filme O que é isso, companheiro?, que se passa no período da ditadura militar, anterior ao período democrático que presenciamos. O filme foi baseado em livro homônimo, lançado em 1979, escrito por Fernando Gabeira, que também participou da luta armada contra a ditadura quando jovem. A direção do filme é de Bruno Barreto e a produção é de Luiz Carlos Barreto. O filme é de 1997 e, em suma, conta a história de um movimento de estudantes, o MR-8, que executou um astuto plano para resgatar alguns prisioneiros políticos.
Confira e, logo após, veja as minhas ponderações:

O filme se inicia com uma das maiores conquistas espaciais, o pouso do homem na Lua, que ocorreu em 1969 e foi televisionado por todo o mundo. A partir desse fato começamos a entender o posicionamento ideológico dos personagens. A corrida espacial fez parte de um marco divisório na história da humanidade, onde ou se estava do lado dos Estados Unidos ou do lado da União Soviética e, ao escolher um destes lados, ganhava-se de “brinde” um sistema econômico e uma ideologia política determinados. Enquanto os EUA estavam com o capitalismo e a direita, a URSS estava com o socialismo e a esquerda.
No filme percebe-se que quem era contra a ditadura militar, comemorava os feitos da URSS e condenava as conquistas estadunidenses. Afinal, a ditadura militar era direitista. Paulo festejou o lançamento do Sputnik, o “lançamento” da cadela Laika ao espaço e a volta orbital de Iuri Gagarin. César também demonstra criticidade ao falar dos EUA, fazendo referência ao seu passado de colonização e à dizimação dos índios neste período. Interessante notar que a maioria dos“primeiros espaciais” (primeiro satélite artificial, primeiro ser vivo a orbitar a Terra, primeiro ser humano a orbitar a Terra…) foram concebidos pela URSS e, como os EUA não podiam estar em desvantagem na corrida espacial, apelaram e mandaram os primeiros seres humanos à Lua. Embora todos estes feitos representem avanços tecnológicos e científicos, o que sempre esteve por trás de todas as conquistas foi o fator político, o qual o filme aborda durante o diálogo na festa de comemoração ao embaixador dos EUA no Brasil.
O trio de amigos que nos é apresentado logo se desfaz por conta da decisão de dois deles, Fernando e César, de se aderirem à luta armada. A imprensa havia sido censurada e a extrema direita tinha tomado o poder. Diante do cenário aterrador, eles decidiram não ficar inertes, o que seria o início de novas vidas para ambos. Se dispuseram a doar suas vidas por um ideal. Já Artur optou por não seguir os amigos. “Cruzar os braços e silêncio?” foi a pergunta que Fernando fez à Artur e foi assim que ele agiu.
Para iniciar a luta, César e Fernando se candidataram a entrar no Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Para entrar no grupo era necessário passar por uma espécie de ritual de aceitação. No grupo ninguém poderia se conhecer anteriormente e, por segurança, teriam os nomes trocados. Durante o recrutamento, foram mencionados Lenin e Trotsky, pessoas admiradas pelo grupo e que serviram de inspiração para a troca de nomes, além de Stalin, mencionado por César. Por curiosidade pesquisei seus nomes verdadeiros e são eles, respectivamente: Vladimir, Lev e Ióssif. Acho que me convenci dessa tática… Os nomes escolhidos “soam” muito melhor que os nomes originais, para mim.
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Durante a apresentação de Maria, Fernando é perspicaz ao ver seu rosto no espelho, quebrando a primeira regra estabelecida, a de não olharem para Maria até que lhes fosse permitido. Seria este um candidato sem potencial? Maria revela a verdade sobre a luta armada: alguns dos membros do MR-8 já morreram, outros sofreram severas torturas… Será que quem quer entrar para o grupo está disposto a ter este mesmo destino? Será que suas próprias vidas valem o ideal que defendem? Para aqueles jovem sim, valiam.
Após serem aceitos, começaram as aulas de tiros. “Só militares podem combater militares”, por isso se prepararam como tais, aprendendo sobre o que mais caracteriza a classe e a sua luta: as armas. Júlio, Renê e César vão bem nas aulas. Fernando é o pior aluno. Um dos primeiros momentos de reflexão que o filme traz é quando Maria “aconselha” César: “Uma coisa é atirar num alvo, outra coisa é atirar num homem. Pensa nisso” e ele pensa.
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Depois de muito treino, iniciaram suas ações. Utilizam-se de um assalto para promover o movimento em forma de discurso e, é óbvio, roubar o dinheiro para financiar outros atos. Nesta cena percebe-se que os jovens, apesar da coragem que demonstram, estão muito apreensivos e nervosos. Na fuga, César é atingido por não ter conseguido atirar em um guarda. O conselho anterior de Maria fez todo o sentido; César pode ter pensando em atirar em um homem, mas não o fez. Ele foi deixado para trás (os fracos ficam para trás? “Fracos”?) e foi levado pela polícia.
O interrogatório se iniciou. Na verdade, “interrogatório” é eufemismo. “Tortura” é a palavra mais apropriada. A tortura pode ser o meio de prova, mas prevalece sobre o meio de investigação, nesse caso. O interessante de se observar é que os policiais torturam como se estivessem fazendo um serviço banal, exercendo uma função trivial. Conversam como se ali não tivesse uma pessoa em estado de extremo sofrimento, conversam sobre o que fazer depois do trabalho, sem demonstrar empatia pelo torturado. “Ferido, resistência baixa, não quero acidente de trabalho”: o prisioneiro não está ali enquanto ser humano, está como ferramenta de trabalho nas mãos do policial. Reduzir o ser humano a objeto é algo dos mais difíceis de ser entendido por mim. Porém, voltando ao César, seria fraqueza delatar os companheiros em prol da própria vida ou seria uma atitude sensata? Ao contar sobre tudo, César está aflito, angustiado. Além do sofrimento físico, há o sofrimento emocional. Ao mesmo tempo que ele não quer fazer isso, o faz porque a tortura foi mais forte que ele, a dor o venceu.
Com o assalto ao banco, o grupo obteve dinheiro, o que eles necessitavam. Tinham o dinheiro e precisavam chamar a atenção. E é aí que Fernando propõe uma ideia, a qual vai de acordo com o que ele desejava desde o começo: desfazer a censura à imprensa. Sequestrar o embaixador dos EUA era uma ideia original, não esperada pelos inimigos, que despertaria a atenção da mídia e que seria a oportunidade perfeita de libertar outros companheiros; logo, tinha tudo para dar certo. A troca de um refém pelo outro é uma tática usada até hoje quando se trata de guerras e guerrilhas.
A partir daí o plano começa a ser realizado: Renê, a menos suspeita, fica encarregada de descobrir informações sobre o cotidiano do embaixador. Seduzir o chefe da segurança do embaixador era uma ótima forma de se conseguir isso. Para ser revolucionário é preciso também dissimular. E ela obteve sucesso: saber que o embaixador não anda com seguranças e que o seu carro não é identificado com a bandeira dos Estados Unidos foi de crucial importância na execução do plano, como vê-se logo mais.
Cartaz da Ação Libertadora Nacional com Carlos Marighella a esquerda.
Cartaz da Ação Libertadora Nacional com Carlos Marighella a esquerda.
Toledo e Jonas são convidados para a missão, membros daAção Libertadora Nacional, eles são veteranos revolucionários, o primeiro participou da Guerra Civil Espanhola e o segundo é um ícone nos movimento de São Paulo. Mais capacitados que eles, impossível. Ao tomar a liderança do grupo, Jonas diz em quais parâmetros a equipe deve se pautar – união, coesão e disciplina – e reafirma a fé cega que os membros devem manter dentro do grupo. Esta é a mesma postura seguida pelos “criados” no militarismo e seus apoiadores, certo? E para combater militares é necessário agir como um, como mencionado anteriormente; entretanto, seria este o caminho mais eficaz e coerente para se atingir o intendo? Não seria estar trocando seis por meia dúzia? Não cheguei a uma conclusão sobre isto…
Jonas demonstra dúvidas em relação ao movimento, argumentando o quão jovens e idealizadores eles são, mas Toledo reconhece que eles tiveram conquistas consideráveis e que o plano é bom. Duvidar da juventude pode ser o mais tentador, mas talvez não seja a melhor opção. Temos que analisar os contextos histórico e social. Será que podemos dizer o mesmo da juventude atual? Eu fico dividida, às vezes penso que sim, em outras penso que não, mas meu lado otimista, neste caso, parece falar mais alto com o tempo e com o desenrolar de alguns acontecimentos no país. Presenciamos um ano histórico, o de 2013, onde mesmo que pareça que o gigante tenha voltado a adormecer, ele se manteve acordado por algum tempo e isso foi muito valioso.
A apreensão do embaixador é uma das melhores cenas do filme, pra mim, pois traz os dois lados da história: o dos que querem acabar com a ditadura e o dos que a apoia. O esquema estava armado e o grupo estava disposto a conseguir seu objetivo, mas tinha alguém lhe observando pela janela… Quando a senhora ao telefone diz “atitude suspeita” ao policial dá-se a entender que parte da população estava muito atenta às ações ao seu redor que pudessem representar risco ao sistema vigente. Outro fato nesta cena que é intrigante: o fato do segurança do embaixador não ter chegado e ele ter saído assim mesmo pode ser encarado como uma “conspiração do destino” a favor dos revolucionários ou apenas a confirmação da informação que Renê obteve anteriormente? Perdão aos mais céticos e que vão achar esta análise absurda e digna de risadas, mas é algo que o filme traz e não deu pra passar despercebido.
“Quantos de nós teve o prazer de ter vencido o sistema, mesmo que momentaneamente, como o grupo de jovens retratado no filme?”
Quando o embaixador é levado para a casa, o entusiasmo de Fernando ao ver tudo tinha corrido como o planejado meio que me emocionou. Ao assistir foi como se estivesse no lugar dele, com aquela sensação de “acertei!”, “consegui!”, que, aliás, aparece novamente logo depois, na que considero a melhor cena do filme.  Em uma palestra referente ao filme, uma professora questionou a plateia e a sua pergunta ecoa até hoje nos meus pensamentos. Vou repassá-la da forma que me recordo, não está na íntegra, mas é nesse sentido:“Quantos de nós teve o prazer de ter vencido o sistema, mesmo que momentaneamente, como o grupo de jovens retratado no filme?”. A comemoração daquele pequeno grupo pessoas por ter conseguido ter seu manifesto lido para o país inteiro é formidável. Quantos de nós compartilham da mesma satisfação, do mesmo sentimento de “dever cumprido”, de vitória? Creio que são poucos dos que leem este artigo que respondem afirmativamente. A minha resposta é negativa, eu (ainda?) não tive esse prazer. Gostaria de ter? É claro! Como? Este último questionamento vem agarrado ao da professora quando reflito sobre tudo isso. E você, me diga, já teve esse contentamento de triunfar sob o sistema? Conte-me nos comentários, por favor.
A cena seguinte também me faz refletir bastante… Quando a esposa de Henrique, um dos policiais encarregados do interrogatório torturante, descobre a real função do marido, fica arrasada e não é para menos. A lavagem cerebral que o militarismo faz na cabeça de quem o serve é algo espantoso. O que leva uma pessoa a aceitar que tortura é meio de trabalho? Henrique ainda tenta se defender: “Você pensa que eu faço isso por quê? Por que me dá prazer? Por que eu quero essa ‘glória’ no meu currículo?”, mas não convence. Quem se convenceria? Porém, no fim, ele nos induz a pensar o seguinte: ele vê que algo está errado, ele enxerga que não é uma atitude justa (“É uma grande hipocrisia que funciona e como funciona!”), mas também vê algo que a legitima, está convicto de que a ditadura deve prevalecer no poder.
Voltando ao grupo, Fernando finalmente é reconhecido por algo que sabe fazer bem: escrever. “Mais ajuda quem não atrapalha”, tem esse ditado, no entanto, acredito que qualidades são inerentes a qualquer pessoa e que basta enxergá-las para que, no âmbito coletivo, todos se beneficiem. Foi assim com o MR-8, foi assim com a polícia da ditadura… É assim para quem se propõe a trabalhar em grupo e consegue admitir que sem o outro, por mais “inútil” que ele possa parecer, as coisas não andariam tão bem quanto como andam na sua presença.
O título do filme, “O que é isso, companheiro?”, é compreendido com o beijo que Fernando rouba de Maria. Quem diria que o companheiro mais “tapado” do grupo poderia conquistar o coração da companheira mais engajada, mais ativa e mais bem preparada? A vida tem dessas coisas… Aquele que menos se espera é o que provavelmente mais vai surpreender.
Ao comprar as pizzas, Fernando encontra seu antigo amigo Artur e uma frase que me chamou bastante a atenção foi essa: “Mais próximo da realidade do que você”, respondendo à pergunta de Fernando sobre como ele estava. Esta é uma frase que os sonhadores escutam a todo momento. Ela é verdadeira ou não? É uma questão de se avaliar o caso concreto, contudo, no período da ditadura, naquele contexto, tendia mais para o “sim” ou para o “não”? Quem assistia de longe diria que sim, ela é verídica, mas quem vivenciava a luta diria que não, que ela não passa de deboche daqueles que não fazem nada para mudar a realidade… Os sonhadores gostariam de escrever a história do país com um futuro muito diferente do seu presente. O que você diria sobre isto na atualidade, que os que almejam mudanças estão longe da realidade ou não?
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Yuri Gagarian, primeiro homem no espaço, da URSS.
No caminho de volta para a casa, ao conversar com o taxista, este último diz, fazendo alusão aos grupos revolucionários: “Esses caras são demais! Eles e os cosmonautas!”. Fazendo referência ao dito no início, sobre a corrida espacial, pode-se traçar um paralelo entre as conquistas espaciais soviéticas e a conquista do sequestro do embaixador. Fernando conseguiu, mais uma vez, o reconhecimento, seu feito foi colocado no mesmo patamar dos feitos que ele comemorou outrora, o que o deixou muito feliz e realizado.
O tratamento dado ao embaixador no decorrer do cárcere me surpreendeu de forma positiva. De início pensei que ele receberia uma péssima estadia e fosse até torturado, mas não, não aconteceu nada disso. O ferimento de sua cabeça era cuidado dia a dia, ele recebia roupas limpas, conversava com os membros do grupo, escreveu cartas à sua esposa (como prova de que estava vivo, mas não deixo de considerar como uma “gentileza”), foi alimentado… Durante o primeiro interrogatório foram mais duros com ele, mas algo foi sensato: não estavam dispostos a torturar o embaixador para obter respostas. Por mais que o grupo tentasse igualar sua postura à dos militares, não se rebaixaram a cometer esta atrocidade. Caso o fizesse, seria um ponto a negativar tudo que foi conquistado até então. E um fato que o grupo não esperava e foi uma boa surpresa: o embaixador era contra a ditadura assim como eles.
A denúncia que um padeiro fez à polícia foi essencial para a localização da casa onde o grupo estava instalado. Mais uma vez, parte da população agiu em prol da ditadura, evidenciando o contrapeso em relação aos revolucionários. A polícia também pondera a exigência feita: libertar os prisioneiros políticos ou deixar que o embaixador dos EUA morra? O que seria melhor para a imagem política do Brasil?
Na conversa entre Jonas e Júlio, tenho que concordar com algo que Jonas disse: “A sua posição deve ser sempre a sua posição”. Mesmo que a maioria seja contra o seu posicionamento, se está convicto do que pensa, não deve se render por conta da quantidade. É estar sendo desonesto consigo mesmo e esta é a maior traição que se pode receber: trair-se a si mesmo… Logo mais, eles falam sobre quem atirará no embaixador caso não libertem os prisioneiros políticos. Jonas escolheu Fernando para testar a sua fidelidade. Uma escolha comedida se analisarmos friamente o contexto do grupo. Fernando provaria de uma vez por todas a sua “determinação revolucionária” ou a falta dela.
Em uma das cartas enviadas a Elvira, a esposa do embaixador, este demonstra empatia pelos jovens, busca compreendê-los, um a um. Entretanto, tem uma visão semelhante à de Henrique: se tratavam de crianças manipuladas por adultos monstruosos. Não acho que deva-se reduzir os jovens do grupo a meras marionetes. Agiam por forte emoção, é claro, mas uma emoção motivada por ideais pessoais, não uma emoção “manobrada” por mentes doentias superiores. Porém, mesmo discordando desta sua visão, considero a compaixão demonstrada como oportuna, pois desvalida a ideia de terrorismo também muito propagada. Não estavam ali causando mal a ele gratuitamente, ele tentava entender o interior de cada um e o que os levou a tomar aquelas atitudes.
O embaixador e Fernando criam uma espécie de “laço afetivo”, pois conversavam bastante. Fernando analisava as respostas do embaixador a fim de também entende-lo. Ambos gostariam de saber o que se passava na mente alheia, era recíproco, por isso o “laço” mencionado. O “companheirismo” entre eles é interessante: mesmo que Fernando esteja disposto a mata-lo, também está disposto a ajuda-lo a ir ao banheiro e a manter segredo sobre o ocorrido. Fernando não quer machuca-lo, mas, pelo grupo, terá que se decidir caso venha a necessitar fazer isso. Imagino a confusão mental que o acometeu durante todo esse período.
A polícia descobriu a casa onde o grupo estava e passou a investiga-lo pessoalmente. O esquema para quando a polícia chegasse foi planejado rapidamente e a atenção foi redobrada. A polícia possuía um esquema alternativo à proposta dos revolucionários, não estavam dispostos a ceder. Diante da possibilidade do plano inicial não dar certo, Fernando enfim “descobre” (entre aspas, pois foi um sorteio forjado) que ficará a cargo de executar o embaixador caso os prisioneiros políticos não sejam libertados. Fernando se viu, naquele momento, entre a sua vida e a vida do embaixador, um momento muito duro para ele.
Na conversa entre Maria e Fernando, ela o questiona: “Você pensou que a gente fosse chegar nisso?”. Mesmo que pondere-se todas as possibilidades, sempre esperamos que ocorra como o previsto, como o que acreditamos primordialmente. É inevitável. No entanto, quando somos colocados frente a frente com a eventualidade que não queríamos, tudo se torna assustador. Os membros do grupo estavam assustados. O embaixador estava assustado e acredito que os policiais também. Nessas horas a morte é a que aparece nos pensamentos mais desesperadores e é aí que percebemos que, por mais sentido que damos às nossas vidas, no fim das contas, pode ser que não tenha valido de nada. Maria diz outra frase importante: “Às vezes eu sonho que estou presa e tenho um alívio tão grande”. Ou seja, para ela, até o que mais teme em vida, que é ser pega pelos militares, seria melhor que a morte. E mais: imagino que a vida revolucionária escolhida por ela tenha se tornado um fardo enorme apesar de ser fiel à sua ideologia. Ao confessarem ambos os seus verdadeiros nomes, estavam realmente aceitando que tudo fosse dar errado, pois o segredo foi revelado.
O diálogo entre os policiais Henrique e Brandão é interessante. Brandão conta sobre o casamento de um sargento com uma das torturadas por eles. “Peçanha pegou o vício pela tortura, acabou encontrando o prazer que nunca teve no trabalho burocrático”: Henrique provavelmente estava mencionando os estupros cometidos contra as mulheres presas. Depois pergunta se o colega de profissão consegue dormir direito e recebe uma resposta afirmativa, mas a dele próprio é negativa. Sua sensibilidade surgiu finalmente ou ela estava adormecida e despertou? Prefiro ficar com a segunda opção.
A cena que se segue também é uma das minhas favoritas. Deu dez horas da noite e Fernando se levanta para assassinar o embaixador, mas antes se volta para a porta esperando por algo que o faça parar e esse algo acontece: é a notícia esperada, os quinze prisioneiros serão libertos. Ele e o seu grupo saíram vitoriosos, por fim.
No dia 7 de setembro, comemoração da independência brasileira, o MR-8 também festejou. Pela TV a foto dos prisioneiros resgatados e enviados ao México foi mostrada e César apareceu em destaque. Venceram o sistema integralmente! Quase foram frustrados pelos policiais que estavam decididos a prende-los, mas, por estarem com o embaixador ainda, o plano não vingou.
Depois do término de um jogo entre Vasco e Flamengo com o Maracanã lotado, Jonas teve a inteligente ideia de “despachar” o embaixador ali, em meio a tantos civis empolgados, onde poderiam se dispersar e não serem pegos pela polícia. Uma ótima sacada. O embaixador também foi liberto, retornando à sua amada Elvira.
Um mês depois, Fernando e Maria se reencontraram e lamentaram o fato do grupo ter se desfeito. O sonho deles havia acabado? Venceram o sistema uma vez, mas este foi mais forte? Venceram uma batalha, mas não a guerra? O sistema iria triunfar diante de todos os seus esforços? A dor de Maria dizia que sim.
Mesmo com a libertação do embaixador, a polícia continuou as investigações e procurou pelos membros do grupo a fim de captura-los. Por conta do vacilo de Maria com os recortes do jornal, foram descobertos mais uma vez e a polícia os apanhou. A tortura chegou até eles.
Oito meses depois, outro embaixador foi sequestrado, o alemão. Dessa vez o MR-8 fazia parte dos prisioneiros e eles é quem seriam libertados e enviados para a Argélia, eles quem estariam na foto. De todos os membros, a tortura castigou mais Maria, que terminou em uma cadeira de rodas. Um triste fim para quem batalhou e acreditou sem cessar por uma causa em prol de muitos, em prol de uma nação inteira.
Apesar do filme tratar de um assunto sério e ter em sua maior parte cenas dramáticas, ele consegue nos arrancar alguns sorrisos no início da trama: “A companheira pode atirar muito bem, mas comer a sua comida é provar a verdadeira coragem revolucionária”, “Ou ela tá querendo me foder, ou ela tá querendo foder comigo”, mostrando que ali estavam pessoas que, além de sonhadoras, ainda mantinham a sua essência juvenil e conseguiam fazer humor e sorrir diante das dificuldades. O jovem carrega em si um misto de responsabilidade e devaneios, o que o faz um ser único. É ele o maior percussor de mudanças sociais porque, ao mesmo tempo que presente o perigo, é destemido, está disposto a enfrentar as barreiras que querem impedi-lo de obter suas glórias. É um ser diferenciado dos demais.
Agora, pensando em nosso atual contexto político, observe o caput do artigo primeiro da Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Para que ali esteja escrito “Estado Democrático de Direito” foi preciso que muitos fizessem como os jovens do filme fizeram. Foi preciso muita luta. É algo que merece a nossa reflexão. Quantos não morreram ou ficaram debilitados para que hoje gozássemos do sistema democrático que possuímos, das liberdades que nos são garantidas? Não digo que o país esteja perfeito, não é isso, mas, comparando-o ao que era, estamos bem melhor, não acha? Eu acho.
Agora, tente se colocar no lugar de um revolucionário, uma vida à base de estresse e nervosismo, uma vida nas “sombras”, uma vida onde a morte e o sofrimento são vizinhos que podem bater à sua porta a qualquer momento. Porém, é uma vida em que o amor à sua causa supera todos os contras pelo caminho e a certeza de que você mudará uma realidade é constante. Você escolheria uma vida dessas? Escolheria lutar por um futuro melhor para pessoas que nunca virá a conhecer?
Bom… Trouxe neste artigo muitos questionamentos e espero que tenha-o feito refletir sobre eles. Considero este filme inspirador e um bom exemplo do combate à ditadura. O que achou dele? O que achou das perguntas elaboradas a partir dele? Comente!

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