Os três principais partidos do Reino Unido chegaram a um acordo sobre um novo sistema para regular a imprensa depois de uma última rodada de conversações que durou até as primeiras horas da manhã desta segunda-feira. Será criado um órgão regulador independente, com poderes de impor multas de até 1 milhão de libras (US$ 1,5 milhão) e obrigar jornais a imprimir desculpas proeminentes quando apropriado. A medida vem em resposta ao escândalo de grampos telefônicos que levou ao fechamento do tabloide "News of the World", do magnata Rupert Murdoch, e deu início a uma série de denúncias contra outros veículos de comunicação no Reino Unido.
Na tarde desta segunda-feira, o primeiro-ministro britânico David Cameron apresentou o escopo do projeto aos legisladores, que estabelecerá os poderes do órgão. O sistema será voluntário, mas haverá fortes incentivos financeiros para encorajar os jornais a adotá-lo. Segundo Cameron, a proposta prevê multa de um milhão de libras, um organismo de autorregulação com compromissos e financiamento independentes, um código de normas robusto, um serviço de arbitragem livre para as vítimas e um sistema de reclamação rápido.
- É certo que vamos colocar em prática um novo sistema de regulação de imprensa para garantir que esses atos terríveis nunca possam acontecer novamente. Devemos fazer isso rapidamente - disse Cameron.
O premier não conseguiu na última semana chegar a um acordo para estabelecer as linhas gerais de um órgão com capacidade para regular o setor que não dependesse do poder político nem das empresas jornalísticas, como propunha o chamado relatório Leveson, em novembro de 2012. Parte dos parlamentares queria uma carta régia respaldada pela legislação, enquanto o premier apoiou uma carta sem lei.
Em troca, o primeiro-ministro ofereceu uma carta, sem status de lei, acordada com o vice-primeiro-ministro Nick Clegg e com o líder do partido Trabalhista Ed Miliband, de oposição, em um acordo de última hora para evitar um confronto na Câmara dos Lordes, a Câmara alta do Parlamento.
A proposta foi voluntariamente aceita pela mídia e ofereceu garantias suficientes de não interferência do Estado na liberdade de imprensa. O acordo inclui várias emendas dos partidos Trabalhista e Liberal-Democrata sobre a carta.
O grupo 'Hacked Off', dirigido pelo ator Hugh Grant, participou indiretamente das negociações representando as 800 vítimas do escândalo das escutas telefônicas. Evan Harris, ex-deputado liberal-democrata e porta-voz do grupo, havia adiantado que as vítimas estavam dispostas a aceitar um acordo.
Em novembro passado, a comissão liderada pelo juiz Brian Leveson recomendou expressamente a criação de um órgão para controlar os abusos da imprensa. Os grandes meios de comunicação - como "The Daily Mail" e "The Daily Telegraph" - fizeram campanha para protestar contra "a maior tentativa de acabar com a liberdade de imprensa nos últimos 300 anos".
O governo ficou sob pressão para criar um novo sistema de regulamentação depois que um inquérito liderado por juízes e uma série de detenções revelaram uma cultura perturbadora de rastreamento de telefone e imperícia em algumas partes da imprensa. A maneira que alguns tabloides relataram o desaparecimento e morte de duas crianças atraiu críticas particulares.
Mas as preocupações de que qualquer acordo colocaria em risco a liberdade de expressão adiaram um acordo, com alguns barões da imprensa ameaçando boicotar um novo regime regulatório e ativistas cobrando por uma regulamentação mais severa acusando Cameron de ser influenciado pela imprensa.
'Não é uma lei de imprensa'
Cameron disse que estava satisfeito com o resultado
- O que queríamos evitar, e o que temos evitado, é uma lei de imprensa - disse.
- Em nenhum lugar diz o que este órgão é, o que ele faz, o que ele não pode fazer, o que a imprensa pode e não pode fazer. Isso justamente foi mantido fora do Parlamento, para não ter embasamento legal nenhum, mas sim uma salvaguarda que diz que os políticos não podem no futuro brincar com este acordo.
Ed Miliband também disse que o compromisso atingiu o equilíbrio certo.
- Eu realmente acredito que defende a liberdade de imprensa e também satisfaz os termos que as vítimas de rastreamento (de telefone) estabeleceram - disse ele, acrescentando que o jornalismo investigativo não seria restringido pelo novo arranjo.
Outros ficaram menos felizes. O Index on Censorship, um grupo que faz campanha pelo discurso livre, disse que era um "dia triste para a liberdade de imprensa na Grã-Bretanha".
- Os políticos agora assumiram o papel de mestre de cerimônias e nossa democracia ficou manchada como resultado - afirmou Kirsty Hughes, CEO do grupo.
Por O Globo | Agência O Globo
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